A expressão “gastrite nervosa” é muito comum e utilizada para descrever dores e desconfortos estomacais que parecem surgir ou piorar em momentos de estresse, ansiedade e outras tensões emocionais. Mas será que a “gastrite nervosa” realmente existe como um diagnóstico médico formal? E qual é a verdadeira relação entre o nosso estado emocional e a saúde do nosso estômago?
O que é “Gastrite Nervosa”?
É importante esclarecer que, no rigor médico, o diagnóstico de “gastrite nervosa” não é reconhecido como uma doença específica no mesmo sentido que a gastrite causada por bactérias (como H. pylori) ou pelo uso de medicamentos. A gastrite, em sua definição clínica, é a inflamação da mucosa que reveste o estômago. Essa inflamação pode ser confirmada por exames como a endoscopia digestiva alta e biópsia.
No entanto, o termo “gastrite nervosa” é amplamente utilizado para descrever um conjunto de sintomas gastrointestinais que são fortemente influenciados por fatores emocionais, como estresse crônico, ansiedade, nervosismo e depressão. Embora não haja inflamação visível ou primária no estômago nesses casos, os sintomas são reais e podem ser bastante incômodos.
Na medicina, essa condição é frequentemente referida como Dispepsia Funcional. Nela, há um desconforto persistente ou recorrente na parte superior do abdômen, sem que haja uma causa estrutural ou bioquímica identificável para os sintomas.
A Conexão Cérebro-Intestino: Por Que o Estresse Afeta o Estômago?
A popularidade do termo “gastrite nervosa” não é à toa. Existe uma relação intrínseca e complexa entre o nosso cérebro e o nosso sistema digestório, muitas vezes chamada de “eixo cérebro-intestino”. O intestino é considerado nosso “segundo cérebro” devido à vasta rede de neurônios (o sistema nervoso entérico) que possui e à comunicação bidirecional constante com o cérebro.
Quando estamos sob estresse ou ansiedade, o corpo libera hormônios e neurotransmissores que podem afetar diretamente o sistema digestório de diversas maneiras:
- Aumento da Produção de Ácido Estomacal: O estresse pode estimular a produção de ácido clorídrico no estômago, tornando o ambiente gástrico mais agressivo.
- Alteração da Motilidade Gástrica: O ritmo de esvaziamento do estômago pode ser acelerado ou retardado, causando sensação de estufamento, náuseas ou digestão lenta.
- Redução do Fluxo Sanguíneo: O estresse pode diminuir o fluxo sanguíneo para o trato digestivo, comprometendo a capacidade do estômago de se proteger e se reparar.
- Aumento da Sensibilidade Visceral: O estresse pode tornar os nervos do estômago e intestino mais sensíveis, fazendo com que sensações normais (como a distensão após uma refeição) sejam percebidas como dor ou desconforto intenso.
- Impacto na Barreira Gástrica: A capacidade de proteção da mucosa gástrica pode ser comprometida, tornando-a mais vulnerável.
Embora o estresse por si só não cause uma inflamação direta (gastrite), ele pode agravar sintomas de uma gastrite já existente ou desencadear sintomas semelhantes aos da gastrite em indivíduos com predisposição, mesmo sem haver uma inflamação diagnosticável.
Sintomas Comuns Atribuídos à “Gastrite Nervosa” (Dispepsia Funcional)
Os sintomas da “gastrite nervosa” são muito semelhantes aos da gastrite comum e podem incluir:
- Dor ou queimação na “boca do estômago” (epigástrio)
- Azia ou queimação no peito
- Sensação de estômago cheio ou empachamento após pouca comida
- Má digestão
- Náuseas e, em alguns casos, vômitos
- Arrotos frequentes e excesso de gases
- Perda de apetite
- Inchaço abdominal
- Sensação de “nó” no estômago em momentos de tensão
É comum que esses sintomas piorem em situações de maior estresse, ansiedade ou preocupação e melhorem quando o indivíduo está mais relaxado.
Diagnóstico e Tratamento
O diagnóstico da “gastrite nervosa” (ou dispepsia funcional) é feito por exclusão. Isso significa que o médico gastroenterologista investigará outras causas mais comuns para os sintomas, como:
- Gastrite bacteriana (H. pylori)
- Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)
- Úlceras gástricas ou duodenais
- Intolerâncias alimentares
- Uso de medicamentos (anti-inflamatórios não esteroides, por exemplo)
Para isso, exames como a endoscopia digestiva alta com biópsia são fundamentais para descartar outras condições. Se não forem encontradas alterações inflamatórias ou estruturais que justifiquem os sintomas, e houver uma forte correlação com o estado emocional, a dispepsia funcional é a hipótese mais provável.
O tratamento para a “gastrite nervosa” envolve uma abordagem multifacetada:
- Manejo do Estresse e Ansiedade: Essa é a parte mais crucial. Terapias como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), mindfulness, meditação, yoga, exercícios físicos regulares e técnicas de relaxamento podem ajudar a gerenciar a resposta do corpo ao estresse. Em alguns casos, o acompanhamento psicológico ou psiquiátrico com o uso de medicamentos (como ansiolíticos ou antidepressivos, sob estrita orientação médica) pode ser necessário.
- Modificações Alimentares: Embora a alimentação não seja a causa primária, alguns alimentos podem agravar os sintomas. Evitar comidas muito gordurosas, condimentadas, ácidas, bebidas alcoólicas, cafeína e refrigerantes pode trazer alívio. Comer em pequenas porções e mastigar bem os alimentos também ajuda.
- Medicamentos Sintomáticos: O médico pode prescrever medicamentos para aliviar os sintomas, como antiácidos, inibidores da bomba de prótons (para reduzir a produção de ácido) ou procinéticos (para ajudar na motilidade do estômago). No entanto, o foco deve ser no tratamento da causa subjacente do estresse.
- Hábitos de Vida Saudáveis: Dormir bem, evitar o tabagismo e manter um estilo de vida ativo contribuem para a saúde geral e, consequentemente, para o bem-estar digestivo.
Conclusão
A “gastrite nervosa”, no sentido de uma inflamação primária causada apenas pelo sistema nervoso, não é um diagnóstico médico formal. No entanto, é inegável e cientificamente comprovado que o estresse e as emoções têm um impacto profundo no funcionamento do nosso sistema digestório, podendo desencadear ou agravar sintomas gástricos.
Se você apresenta sintomas como dor na boca do estômago, queimação, náuseas ou má digestão, especialmente em períodos de estresse, procure um médico gastroenterologista. Um diagnóstico correto é fundamental para descartar condições mais graves e para que o tratamento adequado seja iniciado, abordando tanto os sintomas físicos quanto o manejo das emoções.